Perigo invisível para o empreendedor, obstáculo histórico das mulheres, dilema na vida dos acadêmicos, doloroso retorno dos velhos garotos do intercambio, a bomba relógio do profissional em transição de carreira.
O presente artigo visa retratar uma perversidade praticada pelo mercado de recrutamento e seleção e por contratantes em processos seletivos. Trata-se da análise feita sob a periodicidade dos ciclos de carreira do profissional em sua história.
O primeiro ponto avaliado, refere-se a extensidade do período em cada uma de suas passagens profissionais, entende-se que sua permanência na mesma companhia reflete seu grau de estabilidade ou instabilidade.
O segundo ponto considerado é o tempo que o profissional realizou determinada atividade, pois na mesma empresa, este pode ter tido atuações em áreas distintas.
E o terceiro ponto analisado diz respeito há quanto tempo o profissional não está conectado com a atividade que está em análise para o processo em questão.
A lógica dos recrutadores, diante deste terceiro critério presume que se o profissional estava realizando a mesma atividade, em outra empresa, a pouco tempo atrás, provavelmente sua adaptação e seu tempo de resposta será mais rápido dentro de um cargo similar, e assim, minimizasse os riscos da contratação.
Contudo, percebe-se no mercado contratante, um julgamento precipitado e por vezes até errôneo formatado sob alguns profissionais, classificando-os como “obsoletos” para determinada atividade, devido ao período que não estão atuando diretamente nesta área ou não a praticam como área “core“.
Esta percepção pré-concebida impacta de forma negativa e direta sobre a carreira de muitos profissionais que, muitas vezes desavisados, realizam movimentos em suas carreiras que tem como herança uma perda abrupta em seu grau de empregabilidade e logo encontram grande dificuldade para retornar ao mercado formal de oportunidades ou a sua área de maior conhecimento e domínio.
Obviamente, se a pessoa já não exerce nada correlacionado a função a muito tempo, há uma grande possibilidade de seu grau de conhecimento e atualização estarem defasados comprometendo sua performance, no entanto, infelizmente é comum ver profissionais serem taxados nas frias triagens curriculares como obsoletos por estarem pouquíssimo tempo afastados da área, em alguns casos, seis meses já são suficientes para acentuar a dificuldade para a nova colocação.
Isso pode variar dependendo da área; áreas que passam por muitas atualizações como tecnologia e inovação, bem como áreas que passam por constantes mudanças legislativas como jurídico, financeiro e departamento pessoal tendem a serem mais perversas neste quesito.
Nota-se também um olhar acentuado para este ponto em áreas de negócios e relacionamentos comerciais como vendas, compras, contratos, licitações, recursos humanos, financeiro, entre outras, que envolvam conhecimento e contatos com clientes, fornecedores, bancos, distribuidores, órgãos governamentais e outras alianças para distintos fins.
Tomemos como exemplo o empreendedorismo.
Estatisticamente, 80% dos novos negócios que iniciam uma operação formal no país encerram suas atividades dentro de dois anos.
São muitas as dificuldades enfrentadas para se abrir uma empresa neste país, as quais demandam horas de estudo e aprofundamento por parte dos que optam seguir o caminho do empreendedorismo. Para o empreendedor, este “Tempo Excedido” no primeiro momento acaba por ser um perigo invisível que muitos não se dão conta enquanto estão envolvidos com a empreitada de administrar seu negócio.
Pois bem, se é difícil abrir uma empresa neste país, fechar, acaba por ser ainda mais complicado, e comumente, o encerramento das operações vem acompanhada da descapitalização do proprietário e problemas na esfera jurídica.
Caso dentro de dois anos, este empreendedor venha a fazer parte da estatística negativa, provavelmente tentará retomar uma posição dentro de uma empresa como forma de trabalho, e normalmente, é neste momento que a dinâmica do “Tempo Excedido” vem como um golpe de misericórdia do mercado para aqueles que sucumbiram como empresário.
Neste caso, o entrave está na desconexão com sua área “core“, pois possivelmente, este profissional antes de empreender deveria ter carreira direcionada em uma área especifica e ao empreender ele se torna um generalista uma vez que na maioria das pequenas empresas e startups, o executivo que está como numero 1 atua como CEO (Chief Everifithing Officer) e passará a responder por todos os setores da companhia até ter estrutura e budget para começar a contratar pessoas para cada área do negócio. Ao retomar sua busca por uma nova oportunidade no mercado, este profissional deverá buscar apoio dentro de sua competência técnica principal, retornando a área que ele atuava antes de tentar a vida como empresário, até porque, se o seu empreendimento não foi bem, a colocação como número 1 em outra companhia de porte maior é um cenário infactível.
E em sua área core anterior, infelizmente sua recepção é feita pelo julgamento caloroso de contratantes, no mínimo precipitados, que determinarão que ele está desatualizado.
Agora perceba que esta dinâmica do “Tempo Excedido” não é uma exclusividade dos empreendedores.
Coloquemos luz em um grande desafio histórico das mulheres do mercado de trabalho: gravidez.
Comumente a mulher que empreende uma carreira executiva no mercado tende a criar estratégias de vida e carreira para conciliar este momento, estratégias que buscam aliar fatores como idade, pilar financeiro, momento de vida e momento profissional.
Dentre estas estratégias normalmente considera-se no tema carreira se é melhor engravidar trabalhando em uma empresa ou fora do mercado, justamente por todas dificuldades de conciliar carreira e maternidade, assim como pela perda de competitividade para o mercado dependendo da escolha.
Aquelas que optam por estar fora do mercado para engravidar, terão o desafio conhecido de retornar ao mercado e enfrentar os preconceitos e vieses inconscientes praticados pelo mercado em relação a gravidez.
Contudo, há um outro fator que também tende a impactar a carreira da mulher que parou para engravidar neste momento: o período de interrupção em sua trajetória.
Considerando o período de gestação, somado ao período posterior ao nascimento em que a presença da mãe é essencial, teremos, no mínimo, um ano e três meses de afastamento do mercado.
Este período sem trabalhar, quando transportado para um currículo tende a tornar o retorno ao mercado mais complexo, pois nas triagens dependendo da visão do contratante e do segmento, esta janela no CV poderá colocar em cheque a sua experiência e seu nível de atualização ainda nas etapas iniciais dos processos seletivos fazendo com que as mulheres sejam impactadas pela dinâmica que tratamos aqui.
Outro grupo de profissionais impactados pelo fenômeno do “Tempo Excedido” são os acadêmicos.
Nos países de primeiro mundo, o mercado e o mundo acadêmico são bastante conectados, e é muito comum um profissional que opta em investir no seu aperfeiçoamento dentro do ambiente acadêmico com especializações como mestrado e doutorado encontrar ótimas oportunidades assim que conclui seus estudos e busca oportunidades de trabalho, pois o mercado além de reconhecer seus esforços e o conhecimento adquirido também entende que ele conseguirá transportar para o mundo do trabalho suas competências desenvolvidas durante a formação.
Contudo, no Brasil esta visão é diferente, lamentavelmente ainda há em nosso mercado uma grande lacuna entre o ambiente profissional e o meio acadêmico, logo o mercado brasileiro tende a valorizar com maior intensidade a experiência profissional. O mercado executivo brasileiro começou recentemente a reconhecer o valor agregado das formações stricto senso, no entanto há alguns anos atrás estas formações sempre tiveram caráter mais acadêmico do que mercadológico. Por conta disso, historicamente, é muito comum dentro da área acadêmica no Brasil, o profissional direcionar sua carreira para a área educacional após sua formação, em razão da falta de boas oportunidades de ingresso em empresas.
O modelo de identificação de talentos deixa claro que a melhor estratégia para quem está investindo em uma formação acadêmica robusta e pretende trabalhar no ambiente executivo é concatenar a sede pelo conhecimento teórico com a experiência prática por meio de estágios ou posições efetivas, que possibilitem essa mescla e que o mantenha conectado com o mercado. No entanto, sabemos que formações como mestrado e doutorado exigem muito e requerem bastante tempo de dedicação, dificultando a busca por uma oportunidade paralela aos estudos. É justamente em casos como esse que a dinâmica do tempo excedido afeta estes profissionais: jovens optam por se especializar e dada a dificuldade de conciliação de atividades acabam ficando alguns anos afastados do mercado até a conclusão do curso, e quando vão buscar alternativas de carreira a falta de experiência prática torna-se um fator complexo de transpassar.
Uma outra situação comum em que encontramos este fator são em profissionais que realizam intercâmbio ou optam por morar fora.
Quando este movimento acontece ainda em início de carreira seu impacto é sempre muito positivo, contudo há muitos casos em que os profissionais só vão ter a oportunidade de morar fora depois de alguns anos de trabalho. Nestes casos, normalmente o profissional já vinha desenvolvendo sua carreira em alguma área de negócio e interrompe sua trajetória pra realizar este sonho. Se o profissional conseguir alguma atuação no exterior conectada aquilo que ele vinha construindo para sua carreira é muito provável que ele volte ainda com maior competitividade, contudo nas situações em que a pessoa se dedica mais aos estudos e acaba trabalhando em funções muito desconectadas da sua experiência e dos seus objetivos há o risco iminente de sua trajetória ser impactado por este “Tempo Excedido” dificultando a retomada da sua carreira no mercado local.
Por fim, há um outro grupo de profissionais que sentem na pele o impacto deste fenômeno do “Tempo Excedido” e que todos podem fazer parte: os profissionais em transição de carreira.
Quando um profissional finaliza um ciclo em uma empresa, seja por desligamento motivado ou imotivado, é comum o pensamento de querer dar uma pausa para descansar e reavaliar sua jornada, contudo também é comum que este pensamento venha acompanhado de outro que diz: “mas não posso demorar muito para encontrar outra coisa”. Este modo de pensar está arraigado na maioria dos profissionais e é fruto desta dinâmica do mercado: quanto mais eu demoro para me recolocar, mais difícil se torna minha recolocação. O tempo médio de recolocação para gerentes costuma variar entre 4 a 6 meses, enquanto o tempo médio de reposicionamento para altos executivos fica em torno de 7 a 9 meses, contudo no mercado atual muitas vezes este período pode se estender um pouco mais, principalmente diante do cenário de pandemia e crise econômica que enfrentamos.
E é neste momentos que este período de interrupção assumem um papel de “bomba-relógio”, pois conforme o tempo vai passando a angustia e a ansiedade aumentam e o profissional tende a ser visto a cada dia, cada mês e a cada ano, mais desconectado e desatualizado.
Em ultima análise, percebe-se que o mercado é mais amistoso com interrupções de até dois anos na trajetória, os profissionais que levam mais de dois anos para se reposicionar tendem a enfrentar maiores dificuldades em razão de toda esta dinâmica do Tempo Excedido que tratamos aqui.
A melhor recomendação para lidar com isso é simples e já conhecida: Mantenha-se em constante atualização e aprendizado e busque se envolver em projetos interessantes enquanto sua nova posição não chega. Fazendo isso, certamente você se encontrará mais atualizado, mais motivado e terá o que contar em suas conversas, entrevistas e oportunidades de trabalho.
Por Gabriel Toschi de Mattos