A colunista Pilita Clark defende que a tecnologia está matando o cartão da forma como o conhecíamos, o que não é necessariamente ruim

Por Pilita Clark

De vez em quando, as pessoas dizem coisas inesperadas na seção de comentários abaixo desta coluna, mas outro dia uma observação se destacou. Veio de um leitor que exigia que alguma coisa fosse feita sobre a situação deplorável do cartão de visita impresso. “Estou farto de receber todo tipo de desculpa de profissionais mais jovens nas reuniões para os motivos de eles não terem um cartão de visita para me dar”, comentou essa pessoa irritada.

“Costumo dizer a eles: se você quiser que eu me lembre que você esteve naquela reunião, precisa me dar um cartão; caso contrário, em uma semana, quando eu olhar para os cartões que recolhi nessa viagem, você deixará de existir. O que há com esses desleixados? Por que seus chefes não insistem? Por que seus pais não os ensinam?”.

Ufa, pensei. Graças a Deus não encontro pessoas assim no meu trabalho. Só que eu encontro! Uma semana depois fui a uma conferência de negócios em que, como sempre, cheguei sem um das centenas de cartões de visita que ficam no fundo da gaveta da minha mesa desde o início da pandemia. Esse parecia ser um bom lugar para eles ficarem.

Muito antes da pandemia eu achava que o uso desse cartão estava desaparecendo na era do LinkedIn e do AirDrop. Só porque os contatos presenciais haviam retornado, será que as pessoas realmente iriam querer trocar pedaços de papel carregados de germes com dados e que levam horas de trabalho maçante para digitar em um telefone quando você volta para casa?

Acontece que naquela conferência as pessoas realmente fizeram isso. Metade delas sacavam um cartão de apresentação. Homens. Mulheres. Jovens. Velhos. Todo mundo parecia ter um, menos eu. Na terceira ou quarta vez que me desculpei um homem de meia-idade perguntou secamente: “Por que não?”.

Foi uma pena outro homem um pouco mais velho (e mais famoso) não ter deixado seus cartões em casa. Assisti por um bom tempo ele empurrar um cartão após outro nas mãos de cada homem que ele encontrava, mas não ofereceu nenhum para a única mulher a quem ele foi apresentado.

Então o cartão de visita está de volta? Sim e não.

Com a pandemia diminuindo, as vendas estão voltando a crescer na Vista, controladora da VistaPrint, uma das maiores fabricantes mundiais de cartões de apresentação tradicionais. As receitas com essas cartões cresceram 10% no ano até 30 de junho, segundo me informou a companhia na semana passada. Mas um produto está realmente prosperando: os cartões com QR code ou outro tipo de tecnologia que permite baixar digitalmente os detalhes.

“Quando lançamos os cartões de visita digitais – cartões impressos com um elemento digital – em abril, ele se tornou nosso lançamento de produto novo de crescimento mais acelerado da categoria e apostamos na continuidade desse crescimento”, diz Emily Whittaker, vice-presidente executiva comercial da Vista.

A tendência ficou evidente na conferência em que fui, onde, no meio de mais um círculo de troca de cartões, um homem brandiu seu iPhone para mim e disse: “Aponte sua câmera para isto.” Um QR code, uma vez escaneado, envia instantaneamente os dados do contato para a agenda de endereços do meu celular.

Outra pessoa adotou uma abordagem híbrida, exibindo um cartão de bambu com um QR code impresso que ela guardava depois que as pessoas o escaneavam. Está claro que um exército de tecnologias está transformando o cartão de visita. Elas incluem os “near field communication chips” (ou NFC, tecnologia por aproximação) que as pessoas estão colocando em seus celulares, ou em alguns casos (espero que raros), implantando em suas mãos.

Não sei se aquele leitor raivoso do “Financial Times” fará essa mudança, mas pessoalmente eu fui fisgada.

Gosto da certeza física de um cartão impresso e é verdade que, quando cheguei em casa, os cartões me lembraram mais quem eu havia conhecido do que os detalhes do telefone transferidos de uma maneira invisível. Baterias descarregadas também podem ser um problema para os fãs do QR code.

Mas tendo passado horas de minha vida profissional transferindo detalhes obtidos com os cartões impressos para o meu celular, e “brigando” com aplicativos de câmera que prometem fazer o mesmo mas raramente o fazem, é ótimo ter os detalhes de alguém saltando instantaneamente para a sua lista de contatos. Acho que os belos cartões impressos do “Financial Times” que estão em minha mesa durarão por muito tempo ainda.

Pilita Clark é colunista do FT

Matéria publicada originalmente no Valor Ecônomico, leia na ìntegra em https://valor.globo.com/carreira/coluna/o-cartao-de-visita-vai-desaparecer-dos-eventos-corporativos.ghtml

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